
A defensoria lançou, nesta quinta-feira (1º), o Relatório sobre Aplicação do Princípio da Insignificância no Caso de Furto de Itens Alimentícios e de Higiene no Rio de Janeiro.
Os registros foram classificados de acordo com o tipo de objeto furtado e o preço a ele atribuído, tendo por base o salário mínimo da época, que era de R$ 1.045 em 2020 e de R$ 1.100 no ano seguinte. Os dados têm como fonte as audiências de custódia e os processos judiciais abertos no período e que tiveram atuação de defensores públicos. O maior número de casos foi de furto de metal, como fios de cobre, tampas de bueiro e grades, com 1.073 prisões. Em seguida, foram analisados registros relativos ao furto de alimentos, bebidas e artigos de higiene: 943, em que os defensores públicos têm maior certeza da destinação.
Insignificância
Em entrevista à Agência Brasil, a subcoordenadora de Defesa Criminal da DPRJ, Isabel Schprejer, informou que o princípio da insignificância não existe na lei escrita brasileira, embora a existência desse conceito esteja consolidada na jurisprudência, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o estudo da DPRJ, houve decisões que não aplicaram o princípio da insignificância por não existir na lei. "Algumas decisões entenderam que a ausência de previsão legal afasta o princípio de insignificância", disse Isabel.
De acordo com o trabalho, os casos mais frequentes foram os de furtos de alimentos, bebidas ou itens de higiene pessoal no estado que envolveram valores de até 10% do salário mínimo, embora haja decisões que englobam até 20% do mínimo. Uma em cada quatro (25,6%) ocorrências por furto de alimentos, bebidas ou itens de higiene pessoal envolveu valores de até 10% do salário mínimo. Nas audiências de custódia, a maioria das ocorrências resultou em liberdade provisória, mas, quando os casos foram julgados, 32% dos acusados foram condenadas, com penas que de até três anos e meio. O princípio da insignificância foi reconhecido e aplicado em 55% das sentenças.
Para Isabel Schprejer, a questão da reincidência ou de anotações criminais anteriores, com processos em andamento, às vezes já é suficiente para os juízes condenarem, mesmo que o valor do produto furtado seja baixo ou até irrisório. "A conclusão da pesquisa foi que a reincidência, ou os antecedentes criminais, têm condenação e são, realmente, o maior empecilho para o reconhecimento do princípio da insignificância."
Segundo a defensora, isso é contraditório, por se tratar de pessoas em situação de vulnerabilidade e que têm mais chance de cometer furtos de forma reiterada. "Acaba não tendo uma atenção para essas pessoas no direito penal. Não se vê o quadro total da vida daquela pessoa e o que está acontecendo. Sabemos que existe uma situação de insegurança alimentar muito grande, especialmente depois da pandemia. Por isso, quisemos fazer esse estudo de 2020 até o primeiro semestre de 2021."
Reconhecimento
O objetivo do estudo é chamar a atenção para a necessidade de reconhecimento do princípio da insignificância nos casos de furto de artigos de primeira necessidade. "Porque a Defensoria não tinha ainda uma pesquisa sobre o princípio da insignificância, porque muitos dos processos que tramitam hoje versam sobre furto e, muitos sobre furto de alimentos, bebidas e artigos de higiene, que são de pequeno valor", reforçou Isabel.
Do total de 943 ocorrências classificadas como furto de alimentos, bebidas e itens de higiene, 241 correspondiam a objetos com valor de até R$ 110 (25,6%). Desses, 83,8% dos acusados (202) receberam liberdade provisória, com ou sem fiança, na audiência de custódia ou após a análise do flagrante, durante o período que tais audiências ficaram suspensas. Das 39 pessoas mantidas presas nesse período, oito tiveram a preventiva revista ao longo do processo. Dos 943 registros de furto de artigos de primeira necessidade examinados, 43% (159 casos) tinham preços equivalentes a até 20% do salário mínimo. Nos casos em que o bem furtado valia entre 10% e 20% do mínimo, houve condenação em 57% dos processos, com penas variando entre quatro meses e seis anos de reclusão.
"Os furtos, na maioria das vezes, ficam nessa faixa, com valor baixo, e o que a gente vê é que é de material de subsistência mesmo". Observaram-se também casos de pessoas que furtaram caixas de bombons para revenda, com valor auferido destinado para suprir necessidades básicas." Isabel Schprejer considerou que seria interessante encaminhar o relatório para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). "Pode ser interessante enviarmos, sim."
No estudo, a Defensoria Pública analisou os casos até a sentença, ou primeira fase, mas não os recursos impetrados, porque a ideia era ver o comportamento dos juízes de primeiro grau. Isabel admitiu que, em outra etapa, a pesquisa pode vir a abranger o que houve depois com esses casos. A defensora disse acreditar que muitas penas de seis anos tenham sido reformadas. No caso da pena de seis anos, ela destacou que o acusado era reincidente ou tinha antecedentes, e as duas razões parecem ser suficientes, ao olhar dos juízes, para que não se aplique o princípio da insignificância, nem se atribuam penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade.
"Na verdade, não é feita uma análise global do caso da pessoa; ela não é encaminhada para a assistência social, por exemplo. E a pena é aplicada. "Não é vista a situação da pessoa, por que está cometendo vários furtos em supermercados e furtos de pequeno valor? É para alimentar os filhos? Isso não é analisado quando a pessoa responde a um processo penal", destacou a subcoordenadora de Defesa Criminal da DPRJ. A motivação não tem grande ênfase na visão dos julgadores, concluiu.