Diego Augusto vive há cinco anos em situação de rua no centro do Rio de Janeiro.
Enquanto sobram problemas, falta paciĂȘncia para ouvir promessas vazias das autoridades. Chega a época de eleições, os futuros prefeitos, os futuros vereadores, os futuros candidatos aparecem. Querem mostrar que estão fazendo algo. Mas, tudo isso não passa de hipocrisia. Eu incentivo as pessoas a lutar e a se manifestar, a mostrar na mĂdia a indignação pelos direitos violados", diz Diego.
"Pessoas em situação de rua tĂȘm voz própria. Eles tĂȘm fóruns de defesa dos seus direitos e representações como sujeitos coletivos em vĂĄrios movimentos sociais. Importante lembrar que eles também votam, embora não a totalidade. Então, tĂȘm uma organização polĂtica, mas não podem lutar sozinhos. É importante que a gente também fortaleça essa luta, ampliando, dando voz e visibilidade às necessidades dessa população", defende Ana Paula Mauriel, assistente social e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Depois de muita luta dos movimentos sociais, a PolĂtica Nacional para a População em Situação de Rua foi instituĂda pelo Decreto nÂș 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Havia a previsão de assistĂȘncia social, saĂșde, moradia, entre outras ações. Mas a resposta dos municĂpios foi muito baixa. Em 2023, apenas 18 cidades haviam aderido à polĂtica em um universo de 5.570 municĂpios no paĂs.
"O padrão de atuação com a população em situação de rua é um recolhimento pela violĂȘncia ou pelo encarceramento via saĂșde mental. Sempre se priorizou uma polĂtica de higienização. E isso vem aumentando desde a pandemia nos grandes centros urbanos. A ideia de recolhimento compulsório das pessoas e a retirada dos pertences delas", analisa a professora Ana Paula Mauriel.
Uma dificuldade importante para pensar polĂticas pĂșblicas voltadas a essa população é a falta de informações atualizadas. A Ășnica pesquisa nacional é de 2008, o 1Âș Censo e Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, que identificou quase 32 mil pessoas acima de 18 anos em 71 cidades. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) divulgou relatório em 2023 que aponta a existĂȘncia de 236.400 pessoas nessa situação. Os dados se baseiam no Cadastro Ănico (CadĂnico) para Programas Sociais.
A população em situação de rua se concentra nos grandes centros urbanos. Cerca de 90% dela vivem em dez cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte Salvador, BrasĂlia, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba, Campinas e Florianópolis. A cidade de São Paulo sozinha tem 41%.
Alguns municĂpios fazem levantamentos próprios, mas também tĂȘm problemas de atualização. Um exemplo é São Paulo, que aplicou o Ășltimo censo em 2021. Nele constavam 31.884 pessoas. O Observatório Brasileiro de PolĂticas PĂșblicas com a População em Situação de Rua, do Polo de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), usou dados do CadĂnico que mostram 64.818 pessoas nessa condição em 2023. Os pesquisadores dizem que a gestão municipal paulista teve a pior taxa de atualização do cadastro, quando comparada à de outras capitais.
Além de um mapeamento atualizado das pessoas que estão em situação de rua, o eleitor pode ficar atento para a estrutura assistencial e de saĂșde especializada que o municĂpio oferece: se existem unidades suficientes, se elas estão em boas condições de funcionamento e se oferecem atendimento adequado aos usuĂĄrios.
Um dos serviços municipais exclusivos para essa população é o Centro de ReferĂȘncia Especializado de AssistĂȘncia Social (Creas). Ele tem a função de escuta, acolhimento, orientação, encaminhamento e articulação da rede socioassistencial.
Existem ainda os serviços de acolhimento, que são os abrigos, casas de passagem e repĂșblicas. Um dos principais problemas, nesses casos, é o nĂșmero insuficiente de vagas. O municĂpio do Rio de Janeiro é um exemplo disso. Em 2022, havia 7.865 pessoas em situação de rua e o nĂșmero de vagas de acolhimento era de 2.200. Ou seja, o déficit era de 5.665 vagas.
No que se refere aos serviços de saĂșde, além do acesso ao Sistema Ănico de SaĂșde (SUS), a população em situação de rua conta com um serviço especĂfico: o Consultório na Rua. Um programa com diferentes profissionais que fazem atendimento fixo ou móvel. São oferecidos cuidados bĂĄsicos, como curativos, remédios, orientações de cuidado e encaminhamentos para unidades de saĂșde. Em 2023, o Consultório na Rua estava presente em 138 municĂpios.
"Os candidatos devem estar atentos aos serviços especializados de abordagem social e de saĂșde. Não é a polĂcia batendo, recolhendo pertences e jogando em qualquer outro canto. É uma abordagem com equipe capacitada que chega junto à população de rua, que vai conversar e acolher. Tem psicólogos, assistentes sociais. Não se trata de uma questão de segurança pĂșblica, mas de assistĂȘncia social", diz Ana Paula Mauriel.
Para quem estĂĄ em condição extrema hĂĄ tanto tempo, é difĂcil acreditar que os poderes municipais por si só tenham interesse em transformar a realidade dos que vivem nas ruas. Por isso, Diego Augusto entende que um futuro melhor, com a garantia de todos os direitos, depende do envolvimento de toda a sociedade.
"Eu não vejo mais esperança nas autoridades municipais de tentar solucionar ou evoluir as condições das pessoas em situação de rua, de jeito nenhum. A sociedade civil sim. Quando a sociedade civil se organizar para manifestar e lutar pelos seus direitos violados, aĂ, sim, os direitos virão para as nossas vidas", disse Diego.