Educação Rio de Janeiro

Escola pública bilíngue é cenário de documentário sobre adolescência

A passagem da adolescência para a vida adulta, o fim da escola, a descoberta dos primeiros relacionamentos, a dúvida sobre qual carreira seguir e a separação dos amigos.

Por Ricardo Marcogé

08/07/2023 às 18:39:05 - Atualizado hĂĄ

A passagem da adolescĂȘncia para a vida adulta, o fim da escola, a descoberta dos primeiros relacionamentos, a dĂșvida sobre qual carreira seguir e a separação dos amigos. Todos esses conflitos comuns ao fim do Ensino Médio são contados em um cenĂĄrio ao mesmo tempo familiar e inusitado em Salut, Mes Ami.e.s!, filme de Liliane Mutti que chegou à final da mostra competitiva do Festival de Cinema Itinerante da LĂ­ngua Portuguesa.

É familiar por se passar em um brizolão do Rio de Janeiro, apelido dado pelos cariocas aos Centros Integrados de Educação PĂșblica (Cieps), modelo de escola pĂșblica de tempo integral implementado pelo ex-governador Leonel Brizola e eternizado pelo projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer e pelo ideal pedagógico de Darcy Ribeiro. E é inusitado por esta ser a Ășnica escola pĂșblica bilĂ­ngue francófona da América Latina.

O documentĂĄrio observa a turma do terceiro ano do Ciep 449 Governador Leonel de Moura Brizola, em Niterói, na região metropolitana do Rio, e exalta a escola pĂșblica enquanto espaço de cuidado, socialização e encontro de classes, logo após o retorno das aulas presenciais com o abrandamento da pandemia de covid-19. As mĂĄscaras ainda estão no rosto dos estudantes e professores, demarcando o tempo em que a história é contada, mas as falas e planos trazem uma adolescĂȘncia ao mesmo tempo atemporal e contemporânea.

Inspirada em High School (1968), de Frederick Wiseman, a equipe de produção chegava antes e saĂ­a depois dos estudantes do Ciep durante um mĂȘs, em abril de 2022, acompanhando o reencontro dessa turma com a escola, jĂĄ com a despedida no horizonte logo adiante. Se em 1968 a adolescĂȘncia retratada em seu rito de passagem tinha o espĂ­rito de mudança daquele tempo, a diretora do filme define a de nosso tempo como uma antĂ­tese.

"Essa juventude de 2022 é uma juventude minada. É uma juventude que pega um governo de trevas, que pega uma pandemia", diz Liliane Mutti.

"Quando vocĂȘ é adolescente, vocĂȘ precisa conviver com o outro. Todo mundo precisa, mas o adolescente precisa construir sua identidade, se apaixonar. É uma transição da infância para a vida adulta, e foi muito cruel aquilo [pandemia] com eles. Essa juventude estĂĄ muito destroçada, mas alguém precisa olhar para ela. Eu fiquei muito comovida", revela.

Alegria

O encontro desses personagens que poderiam ser melancólicos nas salas e corredores da escola produz cenas de farta alegria, cantoria e coreografias. Os cochichos entre os jovens - captados sem muitos esclarecimentos - mostram uma adolescĂȘncia que, para além de reivindicar mudanças comportamentais na sociedade, jĂĄ as produzem, tratando de relações bissexuais e homossexuais com a mesma naturalidade que as heterossexuais.

"Quando eles falavam da questão de gĂȘnero, eu quis trazer para o filme, porque eles tinham a consciĂȘncia de que estavam sendo filmados. Para mim, era muito claro que era o que eles escolheram contar. Essa juventude se mostra e tem consciĂȘncia do poder disso. Eles não são vĂ­timas, são muito autores. E era quase uma unanimidade como essa questão vinha", conta a diretora.

"Eu acredito nessa educação que acontece também nos corredores. Acredito nessa educação viva, do cotidiano. Para mim, isso é um tema da escola e para a escola. E esse é um filme de escola. Eu quis mostrar essas questões que aparecem no individual, mas que, em um cruzamento, vocĂȘ vĂȘ algo que é geracional", acrescenta.

Filha de uma professora e diretora de escola pĂșblica, Liliane Mutti propõe com o filme um encantamento com uma educação não apenas pĂșblica e gratuita, mas comum, no sentido de atrair todas as classes sociais para o mesmo espaço. A oferta de ensino bilĂ­ngue fez com que o Ciep de Niterói reunisse não apenas pessoas que não podiam pagar mensalidades, mas alunos que deixaram escolas particulares em busca desse projeto de ensino.

"O projeto dos Cieps foi muito sabotado por uma questão de classe e por uma questão racial. Não se queria que essas pessoas tivessem direito, e isso é muito violento. O filme tem um otimismo porque mostra que, além de ser possĂ­vel, eu escolhi colocar em evidĂȘncia, porque a gente não pode perder o sonho da escola pĂșblica e também tem que tratĂĄ-lo como concreto. O desafio do Ministério da Educação é fazer uma escola pĂșblica que não seja um remendo, é fazer uma escola pĂșblica em que a classe média e a classe alta queiram estudar, de tão boa que ela é", opina.

Educação pĂșblica

Mesmo assim, a diretora conta que o material das filmagens poderia ter gerado um filme oposto, denunciando a precarização da educação pĂșblica, que só não é pior pela atuação dos servidores que se dedicam a ela.

"Essa escola estĂĄ de pé, do jeito que ela estĂĄ resguardando a essĂȘncia dos Cieps, graças às professoras e aos professores, graças ao diretor", observa.

A participação do filme no Festival de Cinema Itinerante da LĂ­ngua Portuguesa vai garantir sua exibição em salas de cinema do continente africano após a etapa competitiva realizada em Portugal. Depois desse momento, Liliane pensa em fazer um percurso em escolas pĂșblicas do Brasil, levando o filme a seu verdadeiro pĂșblico-alvo: os adolescentes.

"A intenção do filme é o encontro. Então, onde isso pode se dar? Em sessões em escolas, onde os jovens estão. Estou pensando em uma circulação não convencional com esse filme. Vou pensar em como fazer chegar nas escolas. De repente, se o ministro ver, vai me ajudar a pensar em como chegar nas escolas", finaliza.

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