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Violência nas Escolas

Socióloga vê relação entre ataques a escolas e violências do cotidiano

A solução de conflitos "menos graves" no ambiente escolar é medida que pode contribuir para evitar futuros ataques violentos.


A solução de conflitos "menos graves" no ambiente escolar é medida que pode contribuir para evitar futuros ataques violentos. A avaliação é da socióloga Valéria Cristina de Oliveira, pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, é preciso dar voz aos alunos que são vĂ­timas de microviolĂȘncias no cotidiano, sejam elas praticadas por profissionais adultos ou por colegas.

"Mesmo que não seja um evento de violĂȘncia grave hoje, ele pode se desdobrar no futuro em outro de violĂȘncia grave em decorrĂȘncia do silenciamento", disse nessa segunda-feira (29), durante debate com transmissão online que reuniu pesquisadores da UFMG de diferentes ĂĄreas. Eles apresentaram dados de variados estudos e fizeram uma discussão sobre o tema "Por uma cultura da paz: combate à violĂȘncia na educação e à desinformação".

Segundo um dos levantamentos mencionados, divulgado na semana passada pela organização não governamental Instituto Sou da Paz, ocorreram no paĂ­s 24 ataques a escolas nos Ășltimos 22 anos. Mais da metade desses episódios, no entanto, estão concentrados nos Ășltimos quatro anos. Na maioria deles, os agressores são alunos ou ex-alunos com média de idade de 16 anos.

Um dos casos que tiveram forte repercussão neste ano ocorreu em março, quando uma pessoa morreu e cinco ficaram feridas na Escola Estadual Thomazia Montoro, no bairro Vila Sônia, em São Paulo. O crime foi cometido por um de seus alunos, de 13 anos. Nos Ășltimos anos, episódios similares que geraram grande comoção no paĂ­s também foram promovidos por estudantes ou ex-estudantes, como os registrados em Aracruz (ES) no ano passado e em Suzano (SP) em 2019.

Um estudo recente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) traçou o perfil mais frequente entre os autores dos ataques: homens jovens brancos, geralmente com baixa autoestima e sem popularidade na escola. Também foi observado que muitos deles tinham indĂ­cios de transtornos mentais não diagnosticados ou sem o devido acompanhamento. São quadros que podem se desenvolver ou se agravar pela dificuldade de relacionamento nas escolas, o que pode ocorrer, por exemplo, com os que são alvos de bullying.

Valéria integra o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança PĂșblica (Crisp) e o NĂșcleo de Pesquisas em Desigualdades Escolares (Nupede), dois grupos cientĂ­ficos da UFMG que fazem investigações sobre o assunto. "O acĂșmulo de pequenas violĂȘncias repercute em dificuldades na convivĂȘncia. A deterioração do tecido social pode ser a consequĂȘncia negativa de vĂĄrios eventos menos graves", reitera.

Segundo um estudo desenvolvido pelo Crisp em 2012, em escolas estaduais de todas as regiões de Minas Gerais, 48% dos estudantes adolescentes declaravam ter sido vĂ­timas de bullying, 20% de ter sofrido agressão fĂ­sica e 40% de ter sido roubado ou furtado nos Ășltimos 12 meses. Além disso, mais de 30% disseram ter sido alvo de violĂȘncia verbal de colegas ou professores.

Não são raros os casos envolvendo essas agressões com emprego de arma de fogo e com mais vĂ­timas, em que ocorreram outras situações menos graves anteriormente, pouco administradas ou sem que houvesse alguma administração dos conflitos. "Isso ocorre, entre outras coisas, porque não tivemos a oportunidade de ouvir e escutar os principais alvos dessas pequenas agressões. O perfil desses agressores tende a convergir para alguém que tenha inserção social limitada na escola, que tenha sido vĂ­tima de bullying, que sofra exclusão de alguma natureza", diz Valéria.

Soluções

No fim do ano passado, 11 pesquisadores de universidades de diversos estados do paĂ­s elaboraram um documento propondo estratégias concretas para a ação governamental. Coordenado pelo professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, eles ressaltaram que os casos deviam ser classificados como extremismo de direita, pois a maioria deles envolve cooptação de adolescentes por grupos neonazistas que se apoiam na ideia de supremacia branca e masculina e os estimulam a realizar os ataques. A presença de sĂ­mbolos associados a ideologias de extrema-direita tem sido recorrente nesses episódios violentos.

De acordo com o documento, esses grupos disseminam um discurso que valoriza o preconceito, a discriminação, o uso de força e de armas de fogo, encorajando direta e indiretamente atos agressivos e violentos. "É necessĂĄrio compreender que o processo de cooptação pela extrema-direita se dĂĄ por meio de interações virtuais, em que o adolescente ou jovem é exposto com frequĂȘncia ao conteĂșdo extremista difundido em aplicativos de mensagens, jogos, fóruns de discussão e redes sociais", registram os pesquisadores. Segundo eles, medidas só serão eficazes se considerarem esse cenĂĄrio.

Em uma busca pela palavra "escola" no site da Câmara dos Deputados, Valéria encontrou 312 projetos de lei apresentados em 2023. Chamou a atenção o grande volume de propostas que datam do dia 5 de abril, quando um ataque a uma creche em Blumenau (SC) resultou na morte de quatro crianças. A legenda com mais proposições é o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro. Em seguida aparecem o União Brasil e o Progressistas (PP), que compuseram a base de apoio durante o governo do ex-presidente.

"Nem todos esses projetos estão ligados à questão da violĂȘncia nas escolas, mas a coincidĂȘncia entre o pico de apresentações e a data do ataque nos mostra que esses eventos foram extremamente relevantes para que houvesse um movimento polĂ­tico justamente daqueles grupos que tĂȘm sido apontados como associados a discursos que estimulam comportamentos violentos. E a maior parte dos projetos de lei sugere intervenções no campo da segurança. HĂĄ muitas propostas de uso de detectores de metais, implantação de câmeras, presença de policiais no espaço escolar. São estratégias de intervenção que não são necessariamente eficazes", diz a pesquisadora da UFMG.

Soluções dessa natureza vĂȘm sendo criticadas por diversos especialistas, que observam que o aumento do aparato de segurança nas escolas não resolveu o problema nos Estados Unidos, onde os episódios acontecem hĂĄ mais tempo e com mais frequĂȘncia. Valéria cita estudos em que fatores como violĂȘncias prévias, rejeição pelos pares e clima escolar negativo são associados aos casos. "Ter mais dispositivos de segurança pĂșblica não contornam isso", diz.

Entre suas sugestões para enfrentar o atual cenĂĄrio estĂĄ a construção de canais de comunicação para escuta e acolhimento das vĂ­timas de conflitos escolares, maior foco no aprendizado de todos e não na punição disciplinar, atenção aos princĂ­pios de equidade e de justiça e desenvolvimento de polĂ­ticas de saĂșde e assistĂȘncia para atendimento integral da comunidade e promoção da saĂșde mental. Ela também defende maior restrição no acesso a armas de fogo e investigação de denĂșncias da atuação de grupos que estimulam a violĂȘncia nas redes sociais.

Valéria afirma que é preciso criar novos mecanismos para registrar os casos de conflitos e de violĂȘncia nas escolas, que permitam ampliar o monitoramento e a discussão de soluções, jĂĄ que apenas os episódios mais graves aparecem nos registros policiais. Em um mapeamento das ocorrĂȘncias registradas pela Guarda Municipal de Belo Horizonte em 2015, os eventos mais frequentes em escolas municipais foram dano ao patrimônio, vias de fato e ameaças.

Desinformação

Durante o debate, a pesquisadora Geane Carvalho Alzamora, vinculada ao Departamento de Comunicação da UFMG, observou que a circulação da desinformação e dos discursos de ódio precisam ser enfrentados com um letramento midiĂĄtico. Segundo ela, pesquisas com jovens jĂĄ revelaram a dificuldade de muitos em conseguir diferenciar um texto com informações verdadeiras de outro com fake news.

"Não basta desmentir. Não se combate desinformação com verdade. Se combate desinformação com educação", diz ela. Geane avalia, porém, que as instituições de ensino precisam de uma estratégia para lidar com esse desafio. "Não é uma questão de educar as pessoas para usar os meios. Precisamos entender o que os jovens estão fazendo com os meios. A escola hoje passa alheia a esse problema".

O professor da Faculdade de Direito da UFMG, Fernando Jayme, defendeu o tratamento dos conflitos escolares por uma perspectiva de justiça restaurativa. Ele avaliou que o sistema punitivo é falho e que é preciso apostar no diĂĄlogo e na mediação dentro das instituições de ensino.

"Isso passa pelo reempoderamento das escolas. A violĂȘncia e a desinformação vĂȘm deixando a escola muito vulnerĂĄvel. A escola é um ambiente que acolhe a diversidade e é um território de interações humanas tensionadas pelas diferentes individualidades. Os conflitos representam janelas de oportunidades para ressignificar relações, transformando-as, restaurando-as, reparando-as".

Educação Violência Nas Escolas Ataques Alunos Socióloga

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