A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (Fundndherp), em parceria com o Instituto Butantan, a iniciar ensaio clínico no Brasil com um medicamento a base de células CAR-T em pacientes com leucemia linfoide aguda B e linfoma não Hodgkin B, recidivados e refratários (ou seja, em casos de reaparecimento da doença ou de resistência ao tratamento padrão).
A aprovação do ensaio clĂnico com as células geneticamente modificadas é parte de um projeto inovador de colaboração regulatória entre a Anvisa e pesquisadores e desenvolvedores brasileiros visando incentivar o desenvolvimento de produtos de terapias avançadas disponĂveis no Sistema Ănico de SaĂșde (SUS).
Nessa forma de tratamento, as células T do paciente (um tipo de célula do sistema imunológico) são alteradas em laboratório para reconhecer e atacar as células cancerĂgenas ou tumorais. O termo CAR refere-se a um receptor de antĂgeno quimérico (chimeric antigen receptor, em inglĂȘs). O procedimento jĂĄ é adotado nos Estados Unidos e em outros paĂses para tratar linfomas e leucemias avançadas como Ășltimo recurso.
"Em janeiro deste ano, a Fundherp e o Instituto Butantan foram selecionados através do Edital de Chamamento 17/2022. Isso deu inĂcio a um suporte regulatório intensificado para aprimorar e acelerar a fase de busca de dados pré-clĂnicos para inĂcio da fase de desenvolvimento clĂnico do produto. Foram 104 dias de avaliação documental realizada pela Anvisa e 144 dias de respostas às exigĂȘncias trabalhadas pela Fundherp", explicou a Anvisa.
A partir de agora, o estudo serĂĄ acompanhado com revisões frequentes dos dados e informações da pesquisa, com ações planejadas até dezembro de 2024, para monitorar de perto o desenvolvimento do produto.
Se os resultados forem bons, o objetivo é registrar o produto rapidamente para que as pessoas tenham acesso a uma opção de tratamento seguro, eficaz e de alta qualidade disponĂvel no SUS.
Segundo a Anvisa, desde 2020, a agĂȘncia registrou trĂȘs produtos de terapia gĂȘnica, do tipo CAR-T, para tratamento de leucemias, linfomas e mielomas, e dois produtos de terapia gĂȘnica para doenças genéticas raras, desenvolvidos por empresas farmacĂȘuticas biotecnológicas internacionais. No momento, mais de 40 ensaios clĂnicos com produtos de terapia avançada (PTAs) experimentais estão acontecendo no paĂs, após a aprovação da Anvisa.
Os primeiros estudos no Brasil começaram entre pacientes em tratamento no Hospital das ClĂnicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no interior paulista, em 2019.
Nos Estados Unidos, o FDA (agĂȘncia reguladora de saĂșde) fez a liberação para uso da indĂșstria farmacĂȘutica em 2017. No Brasil, o uso da indĂșstria farmacĂȘutica começou em janeiro deste ano.
Para quem pode pagar o tratamento, o custo é de cerca de R$ 2 milhões. Como a terapia celular ainda estava em fase experimental no Brasil, os pacientes foram tratados de forma compassiva, ou seja, por decisão médica, quando o câncer estĂĄ em estĂĄgio avançado e não hĂĄ alternativas de terapia.
No programa de tratamento, um dos pacientes estava com linfoma não-Hodgkin. "Cerca de um mĂȘs após a produção dessas células, podemos infundi-las no sangue. Então, as células vão se direcionar contra as células do tumor, porque estão capacitadas a fazer isso, para poder combater os tumores, no caso desse paciente, o linfoma. Ele teve uma remissão completa um mĂȘs depois da injeção dessas células", explicou o professor de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Vanderson Rocha, também coordenador nacional de terapia celular da rede D'Or.
Segundo Rocha, o primeiro caso de remissão da doença por meio dessa técnica no paĂs ocorreu em 2019, mas o paciente morreu por outra causa dois meses depois do tratamento.
"O paciente obteve uma remissão parcial, mas pode ser que, naquele momento, ainda tivesse tempo de responder [totalmente ao tratamento]", detalha o médico.
Em 2019, a reportagem da AgĂȘncia Brasil contou a história do aposentado Vamberto Castro, que, aos 62 anos, estava com linfoma em estado grave e sem resposta a tratamentos convencionais.
Cerca de 20 dias após o inĂcio do tratamento, a resposta de saĂșde do paciente foi promissora: os exames passaram a mostrar que as células cancerĂgenas desapareceram. No fim do mesmo ano, no entanto, Vamberto morreu em decorrĂȘncia de um acidente doméstico, não relacionado à doença.
Até maio de 2023, 14 pacientes haviam sido tratados com o CAR-T Cell. Todos os pacientes tiveram remissão de pelo menos 60% dos tumores e todos se trataram na rede do SUS.